Fachin diz que revista íntima em presídios fere dignidade humana e é 'inadmissível'

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira (28) se a prova obtida por meio de revista íntima em um estabelecimento prisional pode ser considerada lícita em um processo. O tribunal também deve definir se esse tipo de revista fere a Constituição e se deve ser proibido em presídios. O relator do recurso, ministro Edson Fachin, foi o único a apresentar voto nesta quarta-feira, contra a utilização da prova e contra a revista íntima. Para o ministro, isso fere princípios constitucionais como a dignidade humana e a intimidade, portanto, torna a prova imprestável. “Inaceitável que agentes estatais ordenem, como protocolo geral, a retirada das roupas íntimas dos visitantes para inspeção de suas cavidades corporais”, afirmou o ministro (leia mais sobre o voto abaixo). Fachin propôs ao plenário a aprovação da seguinte tese: “É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedado sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais. E a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos.” O julgamento continua nesta quinta, quando os demais ministros também votarão. A decisão terá repercussão geral, ou seja, o entendimento deverá ser aplicado em casos semelhantes nas demais instâncias. O caso O caso específico em julgamento é o de uma mulher absolvida da acusação de tráfico de drogas. Ela foi flagrada na revista do presídio com 96 gramas de maconha nas partes íntimas. A droga seria levada para o irmão preso. O Ministério Público do Rio Grande do Sul recorreu alegando que a situação cria uma “imunidade criminal”, dando salvo-conduto para aqueles que pretendem entrar com drogas no sistema carcerário. Durante a sessão, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, defendeu que as revistas não podem ser proibidas, sob risco de trocar “a violência pelo estado pela violência pelo crime organizado”, já que mulheres passariam a ser usadas para levar entorpecentes aos presídios. Voto do relator O ministro Edson Fachin afirmou que a condenação ocorrida no caso em primeira instância, que depois virou uma absolvição, é nula porque derivada de ato ofensivo à dignidade humana. Para o ministro, “ilícita é a prova obtida em revista íntima adotada como protocolo geral de entrada em presídios porque ofende a dignidade da pessoa humana, porque ofende a intimidade e a honra, porque vulnera o direito à assistência familiar das pessoas presas”. “O ritual subjacente à revista íntima como protocolo geral de entrada em estabelecimentos prisionais, em maior ou menor grau, ostenta inexorável caráter vexatório e não se justifica racionalmente à luz do arcabouço de regras e princípios constitucionais, em especial quando se realiza indistintamente como condição necessária à visitação social em ambiências de restrição de liberdade, sem qualquer elemento concreto que aponte a suspeita do porte de itens proibidos”, afirmou. De acordo com o ministro Fachin, apesar da existência de persas leis, há um “panorama deplorável” nos presídios, e as revistas, segundo ele, têm sido feitas muitas vezes sob a justificativa de que as estruturas das cadeias não comportam a instalação de scanners. “Essa justificativa não tem albergue na ordem constitucional vigente”, afirmou o ministro. Para o relator, a busca pessoal deve sempre ser feita de forma mecânica, com equipamentos eletrônicos, “sendo inaceitável que agentes estatais ordenem, como protocolo geral, a retirada das roupas íntimas dos visitantes para inspeção de suas cavidades corporais, ainda que estejam ancorados na justificativa de prevenção a atos potencialmente delituosos”. Segundo ele, esses estabelecimentos deveriam dispor de "instrumentos hábeis”. O ministro disse ainda que esses protocolos generalizados significam uma “prévia discriminação aos familiares dos presos”, que já estão estigmatizadas naquele momento. “Não se tem em perspectiva a realização de visitas em estabelecimentos prisionais sem protocolo de entrada. Não é disso que se trata, ainda que se possa haver esse argumento. Não se trata de liberar visitas sem protocolos de entrada. O que se propõe é inadmitir práticas vexatórias, como por exemplo, desnudamento, seja total ou parcial, observação de órgãos sexuais nus, por meio de agachamento, como meio ordinário de controle de estabelecimentos prisionais”, completou. Legislação A revista íntima já é proibida por lei em vários estados. Em São Paulo, a lei existe desde 2014, considerando vexatório “todo procedimento que obrigue o visitante a despir-se; fazer agachamentos ou dar saltos; submeter-se a exames clínicos invasivos”. As revistas podem ser feitas de outra forma, com a utilização de scanners, detectores de metais, raio-X e outras tecnologias “que preservem a integridade física, psicológica e moral do visitante revistado”. Na época da aprovação da lei, a Defensoria Pública do estado pulgou pesquisa segundo a qual somente uma em cada mil visitas resultava em alguma apreensão. No STF, 14 processos de todo o país sobre o assunto aguardam uma posição sobre a questão. Em 2016, foi aprovada a primeira lei de alcance nacional, proibindo a revista íntima de mulheres em empresas públicas e privadas. Um trecho que dizia respeito à revista em presídios foi vetado pela então presidente Dilma Rousseff.
28/10/2020 (00:00)
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