Com ou sem vigência de leis de proteção, mangues e restingas de Pernambuco são ameaçados por resíduos, construções e até fogo

1 de 4 Resíduos sólidos se acumulavam em área de mangue na Ilha de Deus, no Recife, na quarta-feira (28) — Foto: Reprodução/WhatsApp Independentemente da disputa judicial que deixa em lados opostos a preservação e a revogação das normas que protegem restingas e manguezais no Brasil, o risco corrido por esses ecossistemas em Pernambuco segue como parte da realidade. Nos mangues, os resíduos que se escondem no emaranhado de folhas e raízes põem em risco a fauna e a flora do ecossistema. Já no litoral, o desmatamento da restinga traz consequências que a tecnologia pode não ser capaz de frear. A deliberação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que derrubava as resoluções que restringiam o desmatamento em manguezais e restingas, ocorreu no fim de setembro e gerou críticas entre ambientalistas, iniciando uma disputa judicial com ações na Justiça Federal e no Supremo Tribunal Federal. Na quarta (28), a ministra Rosa Weber suspendeu liminarmente a decisão, tornando válidas, outra vez, as normas que asseguram a proteção das restingas e manguezais. Essa medida vale até a análise, pelo STF, das ações relacionadas ao tema apresentadas à Corte (veja vídeo acima). Com as incertezas em relação à proteção dos espaços, pescadores, pesquisadores e ambientalistas são unânimes quanto à necessidade de preservação. De acordo com dados da Agência Estadual do Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH), a série histórica que contabiliza a área de mangue em todo o estado aponta um aumento da área do ecossistema, considerando o período de 2009 a 2019 - devido à regeneração do Parque dos Manguezais, na Zona Sul - mesmo com a criação da Via Mangue. Área de mangue em Pernambuco Dados representam hectares ocupados pela vegetação, segundo governo estadual Fonte: CPRH Longe dos gráficos, segundo quem depende ou atua na proteção desses espaços, a sensação é de vulnerabilidade dos ecossistemas. No Recife, pescadores sentem o impacto da falta de preservação a cada resíduo encontrado preso na vegetação do manguezal. “Principalmente no estuário do rio [Capibaribe] tem a questão do lixo, dos dejetos e do esgoto. Se você passar nos mangues de baitera [um tipo de barco para pesca artesanal], vai ver que é cheio de lixo, o que degrada o meio ambiente e prejudica a reprodução de peixes e moluscos”, disse a presidente da colônia de pescadores Z1, Sandra Lima. 2 de 4 Resíduos sólidos se acumulavam em área de mangue na Ilha de Deus, no Recife, na quarta (28) — Foto: Reprodução/WhatsApp A organização reúne cerca de 1,5 mil profissionais que atuam em áreas como Pina, Brasília Teimosa, Bode, Beira-Rio e Ilha de Deus. Segundo ela, os impactos da degradação do meio ambiente não são medidos em números, mas é possível senti-los ambiental e financeiramente a cada dia de trabalho. “Muitos pescadores acabam pegando sururus e mariscos que já estão mortos e não servem para o consumo. A sobrevivência do pessoal que depende da pesca fica complicada. Tem gente que depende do rio, do estuário, para sobreviver”, contou. Na universidade, quem pesquisa os ecossistemas também percebe os efeitos que podem não ser revertidos. “Num ambiente urbano impactado pelos resíduos sólidos, esse material fica no mangue e não é levado aos oceanos. O manguezal acaba prestando um serviço, mas essa não é a função propriamente dita do ecossistema", disse o professor Clemente Coelho Júnior, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade de Pernambuco (UPE). "Em áreas com quantidade de lixo, você tem uma menor população de caranguejos, como aratu e caranguejo-uçá. Isso acaba trazendo impactos econômicos e sociais”, afirmou o professor. 3 de 4 Construções irregulares em área de mangue, no Recife — Foto: Marina Meireles/G1 Para os que lutam pela manutenção desses espaços naturais, a constatação é de que os ecossistemas têm tido menos vez a cada ano. “O mangue que restou no Nordeste, em Pernambuco, é pouquíssimo. Recife e toda a Região Metropolitana, assim como o Litoral Sul, foram construídos em áreas de mangue de forma descontrolada. Mesmo com as leis, essas áreas continuam sendo devastadas”, disse o integrante do movimento Salve Maracaípe, Daniel Galvão. No Litoral Sul, o cuidado com o meio ambiente é posto em risco com a chegada de empreendimentos, segundo pesadores. “Teve uma área aqui que a gente foi para Ministério Público, porque a água passava e, depois da construção, não passou mais”, relatou o presidente da Colônia Z12, em Ipojuca, Alberto José da Silva. Em 2016, a CPRH determinou o embargo do empreendimento. O embargo segue vigente até esta quinta (29), segundo a agência. De acordo com o MPPE, “no caso de denúncia que envolva especificamente danos a áreas de restinga e manguezal, o olhar do Ministério Público considera a interdependência dos fatores que possam causar esses danos, sobretudo quanto à preservação dos processos ecológicos essenciais e o manejo ecológico das espécies e ecossistemas”. 4 de 4 Pernambuco registrava área de 14.255,84 hectares de mangue em 2019, segundo a CPRH — Foto: Marina Meireles/G1 De acordo com Clemente Coelho Júnior, a retirada de áreas de restinga pode prejudicar desde a desova de tartarugas ao abastecimento de populações que dependem de poços artesianos, além da proteção do litoral. "Os serviços prestados pela restinga não têm comparação com nenhuma engenharia ou tecnologia, o custo para se conter um processo de erosão é muito alto. "Quando a gente tira essa proteção, vai gastar dinheiro fazendo engorda de praia ou outros processos que não funcionam. É uma política econômica às avessas. Estamos falando de ecossistemas que estão na paisagem e funcionando há milhares de anos. A gente não tira da cartola uma tecnologia que possa substituir uma vegetação", disse o professor do ICB. “A retirada das leis de proteção ao meio ambiente encoraja pessoas que pensariam duas vezes antes de cometer crime ambiental. Isso acontece muito na nossa região, de Maracaípe e Porto de Galinhas”, afirmou Daniel Galvão. Lei estadual de preservação Em Pernambuco, as resoluções do Conama reforçam a lei estadual 11.206, de 1995, que considera manguezais e restingas como áreas de preservação permanentes. De acordo com a analista em gestão ambiental da CPRH, Cinthia Lima, a manutenção da lei é um processo complexo, que envolve, de um lado, a especulação imobiliária e, de outro, parcerias com prefeituras para monitoramento e educação ambiental. "Não é uma atuação simples, é muto complexa, principalmente num estado onde o uso turístico também é muito visado. A gente normalmente faz fiscalizações em áreas de praia sob demanda de denúncia. Atuamos mais supletivamente, quando somos demandados. A gente também faz monitoramento e em breve vai implantar um projeto para proteção e recuperação das restingas, mas ainda está sob aprovação da gestão", disse Cinthia. Em relação aos mangues, a representante da CPRH explicou que a Agência atua em parceria com o poder público para realizar ações educativas, mas o problema também passa pelo déficit habitacional. "Essa é outra situação bem delicada, porque tem que equilibrar a questão de demanda por moradia e, ao mesmo tempo, de preservação ambiental", afirmou. A ameaça do fogo Além da diminuição de áreas de manguezais e restingas pela construção civil, os incêndios também são uma ameaça a essas áreas verdes. De acordo com o Corpo de Bombeiros, houve registro de 236 ocorrências de incêndio em vegetação de janeiro a setembro de 2019. No mesmo período de 2020, o número subiu para 412, tendo pico no mês de janeiro. Os números, no entanto, não especificam em quais cidades as ocorrências foram registradas. “A gente estava no ano passado focado no óleo, mas esse ritmo de incêndio entre novembro e dezembro aumentou. Agora, quase todos os dias recebemos denúncias de incêndio e não estamos conseguindo dar conta”, disse o integrante da ONG Salve Maracaípe, Daniel Galvão. VÍDEOS: natureza e meio ambiente 20 vídeos
29/10/2020 (00:00)
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